“Como o rei Arthur, Eike Batista consagra seus cavaleiros. Em carta escrita em 2006 ao executivo Rodolfo Landim, que trabalhou para o empresário por quatro anos, Eike o convida a ser o seu ‘cavaleiro da távola do sol eterno’.
E diz que, em vez de espada, promete dar 1% de participação na holding EBX.
‘Gostaria de convidá-lo a fazer parte da minha holding; como cavaleiro da ‘távola do sol eterno’, fiel guerreiro e escudeiro, um grande amigo! Ao invés de uma bela espada, você receberá 1% da holding mais 0,5% das minhas ações da MMX’, diz.
A carta, ou bilhete, ensejou uma ação judicial contra o empresário na 4ª Vara Empresarial do Rio, iniciada na semana passada por Landim. A cópia do manuscrito está no processo.
Sergio Bermudes, advogado de Eike, reconhece a existência do manuscrito, mas afirma que ele não tem nenhum valor jurídico.
Landim, que ocupou a presidência e participou do conselho de empresas do grupo, alega dissolução da sociedade proposta na carta. Segundo Landim, ela foi escrita quando conversavam lado a lado na primeira classe de voo que os trouxe do Reino Unido ao Brasil.
O executivo, que é colunista da Folha, deixou o grupo de Eike em abril deste ano, após meses de desentendimentos. Segundo ele, Eike decidiu, unilateralmente, afastá-lo. Já o empresário afirmou na época que Landim saíra porque o contrato de quatro anos tinha se encerrado, e que os bônus e ações - no valor de R$ 210 milhões - eram generosos.
Landim pressiona desde então o empresário para que ele transfira as ações.
Na ação que Landim move contra Eike, o advogado Sergio Tostes diz que o empresário só conseguiu erguer o império que tem hoje com a entrada no setor de petróleo e gás, o que ocorreu após o contrato de prestação de serviços assinado entre os dois.
O representante afirma que os negócios de Eike no segmento só prosperaram graças ao conhecimento do executivo, que trabalhou por 26 anos na Petrobras.
‘O réu ficou fascinado com informações que até então desconhecia’, escreve Tostes, na petição apresentada à Justiça, sobre o conhecimento de Landim em relação aos percentuais de acerto geológico em áreas marítimas para a exploração de petróleo da ANP (Agência Nacional do Petróleo).
(…)
O TEXTO DA CARTA
Texto de documento manuscrito, que consta do processo, anexado pelo advogado Sergio Tostes, de Rodolfo Landim, em ação que pede participação nas empresas de Eike Batista
'De: Eike Batista
To: Rodolfo Landim (meu amigo)
Após vários meses trabalhando com você, constatei que você pertence ao pequeno e seleto grupo de pessoas muito raras e muito especiais que conheci na minha vida.
Você é transparente, ético ao máximo, profissional competente e disciplinado - um homem do bem. Gostaria de convidá-lo a fazer parte da minha holding; como cavaleiro da "távola do sol eterno", fiel guerreiro e escudeiro, um grande amigo!
Ao invés de uma bela espada, você receberá 1% da holding + 0,5% das minhas ações da MMX (acho, e quero, que você tenha o mesmo Nr que os outros diretores).
Uma das coisas mais gostosas na vida é trabalhar com amigos competentes e fiéis, e dividir a riqueza criada !!
Você merece,
Do amigo
(ass.) Eike Batista'”
Não vamos entrar na discussão sobre quem tem direito ao que na matéria acima, mas ela serve de exemplo para falarmos da vontade no direito brasileiro.
Existe em nosso Código Civil dois artigos muito interessantes que dizem o seguinte: “a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir” (art. 107) e “a manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento” (art. 110).
Vontade é o seu desejo, sua intenção, seu objetivo.
O que o primeiro artigo diz é que você pode usar qualquer meio para expressar sua vontade. Não precisa ser um contrato escrito por advogados. Qualquer meio é válido. Mas a lei também fala que qualquer meio é válido somente quando a lei não exigir que o ato de expressão de vontade tenha uma forma especial. É por isso que, por exemplo, você não pode casar assinando um pedaço de guardanapo e não pode criar uma empresa via mensagem do celular. Em ambos os casos a lei exige formas/instrumentos especiais para que sua declaração de vontade seja válida. Apenas por meio daqueles instrumentos é que sua declaração será levada a sério.
A primeira lição da matéria acima, portanto, é que o magistrado terá de julgar se a promessa de dar 1% das ações necessitava ou não de um instrumento especial para que fosse juridicamente válida.
O segundo artigo (110) diz que se a pessoa que declarou sua vontade fez uma reserva mental a respeito daquela declaração (ou seja, disse uma coisa mas aquilo não era bem o que queria dizer), ela não pode, depois, alegar que não era bem aquilo que queria dizer. Vale o que ela disse, assinou, gravou etc. O que estava na cabeça dela, só ela sabe e, por isso, não vale. Se Pedro e Marcos criam uma empresa, Pedro não pode, depois, alegar que quando ele só assinou o documento que criou a empresa ele achava que só ele poderia comandá-la. Se ele queria ser o único a mandar na empresa, ele deveria ter deixado isso claro no documento que assinou. A única exceção é se a outra parte sabia o que ele estava pensando.
A segundo lição da matéria acima é que o magistrado também terá de julgar se quem recebeu a promessa de 1% sabia que a declaração de dar 1% a ele era apenas uma brincadeira.
Um outro lugar onde a vontade de uma das parte é muito importante para o direito brasileiro é o que chamamos de declaração unilateral de vontade ou atos unilaterais. O caso clássico é a promessa de recompensa. Se você perder seu gato e espalhar anúncios pela cidade dizendo que vai dar R$100 para quem o encontrá-lo, você terá de pagar os R$100 se alguém achar seu gato. A mesma coisa ocorre se alguém fizer um concurso de poesia: quem ganhar o concurso de acordo com as regras estabelecidas terá direito ao que foi prometido. Nesse tipo de relação, uma das parte promete alguma coisa, mas repare que ela sequer sabe a quem está prometendo. Ela não sabe quem achará o gato ou quem se inscreverá no concurso. Mas haverá uma relação entre duas ou mais partes a partir do momento que alguém achar o gato, ou se inscrever no concurso. E tão logo haja uma relação, passa a haver direitos e obrigações. Seja de ser recompensado (no caso do gato), seja de ter sua obra julgada de acordo com as regras estipuladas no concurso (no caso da poesia)